Dando continuidade ao Curso de Filosofia GNU, hoje veremos um pouco porquê o software proprietário é considerado anti ético e anti social. Como podemos ser controlados pela obsolescência programada e como as empresas públicas e privadas gastam bilhões para garantir que suas próprias informações continuarão disponíveis e acessíveis para eles próprios.
Lembrando que este é um conteúdo livre obtido no CDTC.
2 Principais Diferenças
2.1 O que é Software Proprietário?
O software proprietário é anti-social e não é ético, pois divide o público e mantêm os usuários desamparados e dependentes.
A frase acima é o melhor resumo do que é um software proprietário. Para entender melhor, vamos separar partes do texto e explicitá-lo com exemplos, fazendo assim com que a compreensão seja mais simples.
é anti-social e não é ético - Diz-se que o software proprietário é anti-social pelo fato da obrigação de recompra de licenças a cada dois anos. Imagine uma empresa como o Datasus, que possui cerca de 120 mil computadores espalhados por todo Brasil. Para que cada computador destes funcione, é necessário que o mesmo contenha um sistema operacional e pelo menos uma suite de escritório, já que a grande maioria das pessoas utiliza o computador para escrever textos ou executar planilhas.
Se considerarmos que um sistema operacional proprietário como o Windows XP Professional custa cerca de R$ 741,00 (setecentos e quarenta e um reais), e que uma suite de escritório como o Office Professional 2003 custa em torno de R$ 1.446,00 (mil quatrocentos e quarenta e seis reais), podemos então fazer uma conta simples: 741,00 + 1446,00 = 2.187,00 x 120.000 = R$ 262.440.000,00 (duzentos e sessenta e dois milhões quatrocentos e quarenta reais). Observe no entanto que este valor terá de ser novamente pago a medida que sai uma nova versão. Para entender melhor, imagine:
Você tem um amigo que mora nos Estados Unidos, e tanto você quanto seu amigo utilizam o mesmo editor de textos, chamado PALAVRA 98. Toda semana você monta um texto em um formato especial e envia para o seu amigo que mora em Boston, que ao receber seu texto por email, abre-o no editor PALAVRA 98, insere uma ou outra informação e publica o texto. Logo em seguida, ele envia de volta para você o material já com os textos acertados e o complemento que ele adicionou ao texto original. Você recebe o texto, imprime o material e guarda um backup para consulta futuras.
Um belo dia, o seu amigo americano, que tem mais condições financeiras que você, adquire uma nova versão do editor, chamada PALAVRA 2003 XisPa. Um negócio fabuloso de novo, mas que é basicamente o mesmo editor anterior só que com algumas implementações novas. Para lhe fazer uma surpresa, ele decide mexer no último texto que você enviou para ele e insere várias alterações e formatos diferentes, e decide salvar tudo isso no novo arquivo e enviá-lo novamente para você que está no Brasil com seu velho editor.
Ao chegar a noite, como você faz todos os dias, logo após a conexão da internet você baixa seus email e encontra o novo texto enviado por seu amigo. Ao tentar abri-lo, o seu editor amigo reclama, dá erro, você vê uma página toda truncada, e por aí vai.
Este tipo de problema tão comum entre as versões dos softwares é uma das maneiras com que o mercado da informática obriga os seus clientes a comprarem novas versões dos seus produtos. Eles implementam alterações que só poderão ser acessadas, lidas, verificadas, a partir da aquisição de uma nova versão do produto. Isto significa que você terá de adquirir novamente uma nova versão, senão você não poderá continuar trabalhando com as outras pessoas que dividem com você as tarefas habituais na sua empresa ou na sua escola.
Observe que quando isso se trata apenas de uma pessoa, você terá um gasto a cada dois anos com uma nova versão do produto, no entanto, no nosso exemplo consideramos o Datasus com 120.000 micros, e com um gasto de R$ 262.440.000,00 (duzentos e sessenta e dois milhões quatrocentos e quarenta mil reais) para cada vez que atualizar seu parque de softwares básicos. Isto significa que a cada dez anos o Datasus terá gasto cinco vezes o valor de compra, chegando ao final da década com gastos superiores a 2.6 Bilhões de reais apenas em atualizações de software.
Este tipo de gasto bi anual é anti-social, pois faz com que o governo tenha que fazer investimentos caros em atualizações de programas de computador, quando poderia estar efetivamente gastando em programas sociais. Além disso, a forma com que a indústria do software trata seus usuários, obrigando-os a adquirir novas versões de seus programas é considerado não ético, pois além de ser um produto não escasso, o software é também considerado um bem intangível, ou seja, ele não é um bem que a medida que as pessoas o obtenham no mercado através de uma cópia ele se esgote em um determinado momento, como por exemplo uma mesa, uma cadeira ou um automóvel, que são compostos por materiais escassos, que num dado momento podem acabar.
Esta diferenciação faz com que o produto software seja um produto não rival em comparação a outras mercadorias, muito pelo contrario, nas palavras do Prof. Sérgio Amadeu, o software é um produto que quanto mais se distribui, quanto mais se é utilizado pelas pessoas, maior é o seu valor agregado.
Divide o público e mantêm seus usuários desamparados e dependentes - É preciso observar um pouco a história do ponto de vista de um produto como os sistemas operacionais para que se possa entender o que ocorre no mercado de trabalho dentro da área da tecnologia da informação.
Inicialmente as empresas de informática como a IBM, UNISYS, MICROSOFT, dentre outras, possuíam equipamentos e sistemas operacionais que não eram conhecidos pela maioria dos técnicos, isto era um problema, pois o mercado profissional não tinham pessoas com conhecimento suficiente sobre o produto das empresas, o que causava uma tremenda dificuldade para a massificação dos computadores e dos sistemas operacionais. Empresas como a IBM e a UNISYS optaram por distribuir gratuitamente nas universidades os seus computadores e sistemas operacionais, criando assim um grande número de futuros profissionais que teriam conhecimento sobre os seus produtos, isto significaria que em pouco espaço de tempo, a medida que estes profissionais se formassem e fossem para o mercado de trabalho, levariam consigo as experiências adquiridas em computadores e sistemas operacionais que haviam praticado, fazendo com que, quando perguntados sobre "que computador você conhece?", ou "que sistema operacional você tem experiência" a resposta era sempre relativa ao conhecimento adquirido na universidade, fazendo com que estes profissionais se tornassem "garotos propaganda" de uma determinada empresa ou de um determinado produto chamado "sistema operacional".
Com a Microsoft a história era diferente, primeiro por que o mercado da empresa eram os computadores pessoais, e segundo, o mercado que a empresa desejava era muito maior. Isto fez com que fosse trilhado um outro caminho, muito parecido com as duas gigantes IBM e UNISYS, mas de uma forma diferente. Apesar de na época já existirem no mercado diversas alternativas para inibir a cópia dos produtos "softwares", a empresa permitiu que a cópia dos seus sistemas operacionais fossem feitas sem problemas, fazendo com que os usuários de PCs domésticos tivessem facilmente acesso ao seu produto, massificando-o rapidamente. Diferente de outras empresas como a APPLE, que ligavam o software diretamente ao hardware que era vendido apenas por eles no mercado, a Microsoft seguiu o caminho iniciado pela IBM, que desenhara um modelo de computador para ser acessível por todos, utilizando o conceito que hoje entendemos como Hardware Livre, ou seja, um modelo de computador que poderia ser industrializado por qualquer empresa de componentes eletrônicos. O que a Microsoft fez foi disponibilizar um sistema operacional que seria facilmente copiado para uso nestes computadores, não impedindo a cópia ou a "pirataria", como é chamada hoje.
Com o passar dos anos, e a massificação do seu produto, a empresa passou a ter o monopólio no mercado dos computadores pessoais, a grande maioria das empresas podia contratar pessoas no mercado de trabalho já com conhecimento do sistema operacional Windows, reduzindo assim os investimentos das empresas com a formação de pessoal. Vale a pena ressaltar que quando isso começou a ocorrer, a Microsoft criou os elementos que permitiria a ela cobrar incisivamente das empresas o custo dos seus produtos, utilizando para isso as legislações locais de cada país, tendo no Brasil a ABES (Associação Brasileira de Empresas de Software) o papel de descobrir, processar e cobrar judicialmente das empresas o devido valor de cada produto proprietário multiplicado por até 3000 (três mil) vezes, e até quatro anos de prisão para os responsáveis pela pirataria. Ou seja, o que serviu a Microsoft para fazer a propaganda do seu produto, hoje também serve para ser uma renda adicional à empresa, pela cobrança de multas absurdas.
Com tudo isso, podemos afirmar que hoje o mundo do software proprietário divide os usuários entre aqueles que tem poder aquisitivo para comprar um produto, e os demais que vivem a margem da lei, de forma irregular, como criminosos, que utilizam os produtos de forma ilegal.
Além deste aspecto, também existem os programas de computador que prendem os usuários por longos períodos, como é o caso de bancos de dados que possuem linguagens próprias, que são patenteadas e que não podem ser "disponibilizadas" para outros bancos de dados. Isto significa que se sua empresa optou por utilizar um banco de dados destes, e utilizou a linguagem proprietária, terá extrema dificuldade de migrar seus dados para outro banco, sem que seja necessário grandes investimentos para conversões. Por isso que afirmamos que o software proprietário divide o público e mantêm seus usuários dependentes.
2.2 O que é Software Livre?
Ajudar outras pessoas é a base da nossa sociedade
Desde o início da história, nos mais remotos tempos, o ser humano vem convivendo socialmente com os seus pares. Desde cedo o homem aprendeu que era muito mais fácil sobreviver junto com outros seres humanos do que sobreviver sozinho, além disso, ele também necessitava de uma outra característica, que era a adaptação. Com esses dois elementos, viver socialmente e adaptar-se, fez com que o ser humano sobrevivesse até os dias de hoje.
Um exemplo simples para entender como era necessário ao homem viver em conjunto: imagine que num dado momento da história de nossos ancestrais, o homem saía para caçar diariamente logo ao amanhecer, e num dado momento do dia ele retornava com um coelho ou um pequeno animal que era simples para um único homem capturar. Num dado momento, o homem percebeu que quando ele se juntava a outros homens e saíam para caçar juntos, eles retornavam à aldeia com um búfalo ou outro animal maior, permitindo assim que várias famílias se alimentassem sem problemas por vários dias, dando-lhes tempo livre para outras tarefas na aldeia.
Essa ação coletiva de compartilhar o alimento caçado por todos, ou de fazer algo junto a outros da mesma espécie, é tão natural para nós humanos quanto falar, respirar, etc. Faz parte do nosso dia a dia o convívio com outros da nossa espécie. Além do que, não existe um único ser humano em todo nosso planeta que não tenha sido ajudado ou ajudou alguém. É natural para todos nós vivermos juntos, produzirmos juntos, ser colaborativo, compartilhar, ajudar, dar uma força, enfim, ser solidário é parte do nosso cotidiano.
Assim foi o caminho da humanidade. Tudo que nossos ancestrais aprendiam era repassado para os filhos, dos filhos para os netos, e assim sucessivamente. O conhecimento sempre foi encarado por nós humanos como um instrumento de educação, um fato muito importante para a nossa sobrevivência. A musica, a escrita, a matemática e tantas outras informações foram criadas e disponibilizadas livremente para todos. Mas isso, até um determinado momento da nossa história foi assim, quando por volta do século 16, com o advento da máquina de imprimir produzida por GUTEMBERG, o Estado criou uma legislação para defender os inventores, os criadores, expressos nos termos da Propriedade Intelectual.
2.3 O que é Open Source?
Em tradução literal significa "Fonte Aberta". De uma forma geral, as pessoas que se referem ao movimento do Software Livre como Open Source na verdade estão mais preocupadas em passar as qualidades mais técnicas, tais como: o fato de um programa ser aberto permite o estudo, os testes, a verificação das tarefas que ele executa, isso dá garantias melhores sobre as funcionalidades, garantindo a segurança, etc…
No geral, as pessoas que fazem parte deste movimento dito Open Source estão mais preocupadas com as questões técnicas, e não vêem no software livre uma alternativa de mudanças nas relações humanas.
Fazem parte deste grupo uma boa parte dos desenvolvedores do Kernel, o próprio Linus Torvalds, e um dos expoentes mais velhos, Eric S. Raymond, que escreveu "A Catedral e o Bazar".
2.4 O que é Free Software?
Na tradução literal quer dizer "Programas de Computador Livres".
Quem se refere a "Software Livre" está trabalhando na perspectiva de dizer o mesmo que o mundo "Open Source" do ponto de vista técnica, mas também afirma que é necessário construirmos um mundo melhor, uma sociedade livre e solidária, uma nova sociedade baseada noutros princípios éticos, sendo, portanto, os entusiastas do movimento do software livre atores políticos, que vêem na tecnologia uma maneira de apoiarmos as mudanças no mundo para melhor.
A pessoa mais representativa deste grupo é o Richard Stallman, bem como a Distribuição Debian é a que melhor representa os preceitos do mundo livre, tendo uma referencia inquestionável na Filosofia GNU.
Créditos
O material foi desenvolvido por Djalma Valois Filho e é o resultado de uma compilação das duvidas mais usuais que surgiram ao longo das inúmeras palestras apresentadas desde o ano 2000 pelo CIPSGA - Comitê de Incentivo a Produção do Software GNU e Alternativo em todo Brasil.
Todo o conteúdo encontrado neste curso é oriundo dos textos publicados pela FSF, bem como outros textos publicados pelo CIPSGA até a presente data. Críticas e sugestões construtivas são bem vindas a qualquer tempo, podendo ser enviadas para email [at] dvalois [dot] net.
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